Trens de emissão zero: transição energética ou greenwashing?

Desenvolvimentos recentes em material rodante ferroviário mostraram inúmeras aplicações dos chamados “trens de emissão zero”, confiando em tecnologias inovadoras. Até agora limitada a ônibus e trens urbanos, a aplicação desta tendência aos trens convencionais é uma forma promissora de servir ao crescimento sustentável. Mas seria assim tão simples converter serviços regionais ou intermunicipais em transporte sustentável? Qual é o preço a pagar? E estes trens são realmente de emissão zero?

QUAIS INOVAÇÕES PARA TRENS de EMISSÃO ZERO?

Além dos trens elétricos, cuja operação já é de emissão zero, muitas tecnologias têm sido exploradas para aplicações de serviços de passageiros como alternativa aos trens a diesel: outros combustíveis, baterias, hidrogênio ou mesmo energia solar, além de combinações deles como trens “híbridos”.

  • A energia solar pode ser rapidamente excluída das soluções autônomas, pois a radiação solar na superfície terrestre é muito limitada para alimentar um trem para o serviço regular de passageiros, e eventualmente operar à noite.
  • Combustíveis alternativos como o gás natural geralmente não se mostram eficientes para evitar emissões de gases de efeito estufa (GEE). Somente o BioGás, quando depende de resíduos agrícolas, é uma opção interessante: apesar da sua combustão emitir outras partículas além dos GEE e sua aplicação em larga escala ser um desafio, transformar o metano em dióxido de carbono menos prejudicial faz dele um consumidor de GEE com um balanço negativo!
  • Os trens a baterias são a evolução mais próxima dos trens elétricos clássicos: o armazenamento de energia a bordo permite que os veículos funcionem onde não há catenária. Ao mesmo tempo, essa tecnologia é pautada nos mesmos princípios de eficiência que vêm sendo otimizados há décadas no campo da tração ferroviária, desde o contato roda-carril à recuperação de energia. Autonomia e ciclo de vida das baterias (fabricação, desmontagem) são atualmente as principais preocupações.
  • Os trens a hidrogênio dependem da chamada “célula de hidrogênio”, que gera eletricidade a partir do hidrogênio. Como estes dispositivos funcionam em ciclos de trabalho estáveis, são necessárias baterias extras para administrar os picos de energia que o veículo necessita. Os trens a hidrogênio são também trens movidos a bateria, mas a autonomia não é uma preocupação se o veículo dispõe de um tanque de hidrogênio pressurizado a bordo. Como o hidrogênio para este uso não está disponível diretamente no ambiente, os desafios para esta tecnologia se concentram na produção do combustível, com custos, energia e equilíbrio de GEE em jogo. Ainda mais do que trens a baterias, os trens a hidrogênio refletem a matriz de energia local!
Princípios de propulsão similares, diferentes soluções de fornecimento de energia: trem a hidrogênio
©Alstom

COMO ESCOLHER A MELHOR OPÇÃO?

Todas essas tecnologias possuem prós e contras. Existe então uma melhor opção?

  • Quando a matriz de energia local torna estas soluções similares em termos de emissões, os parâmetros de operação dos trilhos ajudam a selecionar a melhor opção: Qual é a distância entre as estações? Quão rápido os trens devem ser reabastecidos? Quão frequente é o serviço da rota? Estas são questões essenciais para uma avaliação rápida das soluções potenciais.
  • Também deve-se considerar a possibilidade de contar com as frotas ou instalações existentes e ajustá-las às necessidades técnicas para “emissão zero”, como adaptar os motores de combustão ao biogás ou instalar baterias em trens híbridos.
  • Considerando os investimentos, há obviamente um fator de escala do projeto a ser considerado. Cada uma das soluções disponíveis possui uma distribuição própria entre despesas de infraestrutura, material rodante e custos energéticos. Nesse sentido, a extensão relativa da rede, o tamanho da frota ou as instalações necessárias são parâmetros relacionados a serviços que determinam também o potencial de cada alternativa.

Não existe uma solução universal, especialmente quando se consideram os serviços de passageiros, que vão desde os serviços turísticos e regionais até às redes suburbanas de alta densidade. Os sistemas de catenária ou baterias a bordo já são amplamente aplicados, sendo os mais eficientes e econômicos na maioria dos serviços de trem elétrico, dadas as distâncias habituais entre estações e a intensidade dos serviços ferroviários. O hidrogênio e o biogás têm as suas vantagens, mas dependem do desenvolvimento da sua própria matriz energética e da existência de incentivos e oportunidades externas, quer através de parcerias locais ou pelo benefício da aplicação em escala em parceria com outros setores de clientes.

Esta variedade de soluções é também uma oportunidade do ponto de vista internacional. Ela torna a indústria capaz de oferecer soluções redutoras de emissões adaptadas ao contexto local. Os países emergentes que estão desenvolvendo sua indústria energética e possuem consumo orientado aos recursos locais não estão limitados ao diesel: eles poderiam se beneficiar das tecnologias de emissão zero mais adaptadas ao seu padrão energético, provando assim que o desenvolvimento econômico não contrapõe sustentabilidade ambiental.

Um trem diesel no sul da França, onde a SYSTRA avaliou o conselho regional na busca de alternativas relevantes de emissão zero
© CAF

QUAIS EVOLUÇÕES PODEM SER ESPERADAS?

Em geral, pode-se prever que as autoridades irão regulamentar a transição energética por lei. Este já é o caso dos ônibus em alguns países como a França: a SYSTRA participa de muitos destes projetos de mobilidade elétrica e apoia as autoridades locais antecipando mudanças similares para o transporte ferroviário.

  • Com relação às baterias, há espaço para uma rápida melhoria nos próximos anos. É provável que a indústria automobilística consiga aumentar a capacidade e a vida útil das baterias, diminuindo os custos, beneficiando assim também a indústria ferroviária… Olhar para alguns gigantes do petróleo e gás comprando fornecedores de baterias menores nos dá uma pista sobre o potencial desta tendência.
  • A solução do biogás é frequentemente negligenciada por razões culturais e históricas, com uma aplicação em escala provavelmente limitada. Mas sua adequação a algumas necessidades particulares pode permitir que iniciativas locais surjam para linhas ferroviárias com pouco tráfego e para reduzir a pegada de carbono de soluções de fácil implementação.
  • O hidrogênio é um tema em si mesmo. Apenas do ponto de vista da mobilidade, as soluções de hidrogênio têm dificuldade de se provar como melhor opção nas condições atuais. Porém, mais do que apenas um combustível para o transporte, o hidrogênio deve ser visto como um meio de armazenamento para eletricidade sem carbono. Em outras palavras, com a cooperação dos produtores de energia, dos fornecedores de combustível e da indústria ferroviária, o desenvolvimento de trens a hidrogênio poderia ser o carro-chefe para introdução do transporte de emissão zero em países cuja matriz energética é de alta emissão.
Trem de hidrogênio: o carro-chefe para introduzir o transporte com emissão zero em países cuja matriz energética é de alta emissão?
 © Alstom

CONFIAR EM UM PORTFÓLIO VERSÁTIL É A SOLUÇÃO

Quando o tráfego é muito pequeno para justificar a eletrificação, a indústria ferroviária oferece diversas alternativas relevantes para reduzir a pegada ambiental e ao mesmo tempo controlar os custos. Mas ainda não existe uma solução com autonomia suficiente que seja capaz de competir com o sistema de catenárias.

Como as baterias muito eficazes apresentam restrições intrínsecas à operação durante seu ciclo de vida, cabe à tecnologia fazer progressos para concretizar seu enorme potencial. O hidrogênio e o BioGas dependem do desenvolvimento de circuitos de produção e distribuição em larga escala – que não podem ser suportados pelos serviços ferroviários de baixo tráfego. Ao invés de apostar em apenas uma solução, a opção mais sábia parece depender de um portfólio versátil e adaptar a tecnologia às próprias necessidades do serviço ferroviário e às oportunidades de fornecimento de energia local.

Além disso, o rótulo de “emissão zero” depende principalmente da combinação de fontes de energia e combustível, o que indica que trens de emissão zero não estão limitados ao tema da “mobilidade”. Considerando a possibilidade de transformar a eletricidade em bens armazenáveis e transportáveis, não poderiam eles abrir caminho para um comércio internacional de energia verde e de custo controlado? Assim então os trens a emissão zero seriam os primeiros mensageiros.

O artigo original está disponível em francês e em inglês. Clique aqui para acessá-lo.

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